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Som modelo três em um |
Lembro-me dos meus nove anos de idade e meu tio
João Galo, mais conhecido como "função", rolava na vitrola (daquelas
3 em 1...) os vinis e as suas fitas cassetes com sequências de alguns Dj´s, entre eles:
Chilão , Todynho, Gran Master Duda, Claudinho e outros menos conhecidos mas tão
bons quanto. A maioria das fitas era de balanço (hoje rap): Kurtis Blow,
Whodini, Kool Moe Dee, Mc Kooley C. Biz Markie , mas tinha algumas com
rasteirinhas (samba-rock): Franco, Sônia Santos, Jorge Ben, Samba 6 e Bebeto, melodias (que
são as românticas) e os floreados com Freddie Jackson, Ted Pendergrass, Barkays,
Betty Wright, Zapp e funk (Funk com maiúscula mesmo!): Earth, Wind and Fire, James
Brown, The Gap Band, Kool and the gang, KC and The Sunshine Band, etc.

Eram
famosos na época os bailes no Palmeiras, Xereta de Diadema, Cobras Eixos em
Osasco, Clube da Cidade no centro, Club Holmes, Club House em Santo André, Asa
de Santo Amaro, Santana Samba, Tio Sam Club, Roller Super Star, Damachoc,
Peruche e os programas dominicais na Band FM. As JBL (caixas acústicas) falavam
alto nos bailes e as equipes Black Mad, Dinamite, Chic Show, Zimbabwe, Circuit Power,
Kaskatas, Os Carlos, Mistura Fina, Bossa Um, Musicália, entre outras, faziam a
trilha sonora.
O tempo passou, meu tio se foi e me deixou o gosto por boa
música e o exemplo da humildade e malandragem (no bom sentido). E esse post é
uma pequena homenagem a ele e a todos os "funções" da década de
80/90. Para quem não sabe "função" era um modo peculiar de se vestir,
falar e viver, seria hoje mais um "vida loka". O meu tio foi um dos
primeiros a usar o termo aqui na vila (Pedreira zona sul de São Paulo) por isso
seu apelido.
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Chineizinho clássico |
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Adidas marathon |
Me lembro dos tênis (verdadeira fascinação dos funções) marcas
como Leqcoq, Adidas (Marathon), Malac, Reebok, Nike, Fila, Rainha (iate), Redley, Dockside Samello,775, Johnson
Leopardo (sapatilha), London Fog, Free London, Canadian, Tiger (Asics), Montreal, M2000, New Balance, Fire White, Chineizinhos, Puma, All Star, KiChute, Bamba, Conga, Pony e Le Cheval.
As calças além das de camurça e veludo podia ser as jeans da Ravage,
Versatti, Delhi, Startup, Fiorucci, Wrangler, Fim do Mundo, Bruno Minelli, X-Ray, 2020, Benetton, Zoomp e Forum com o detalhe de quiçá serem
colocadas nas barras um "corinho", podia ser do banco do busão ou de
um sofá velho, fazendo assim uma boca de sino adaptada.

Camisetas podiam ser de
marcas de surf tais como Lightning Bolt, Hang Loose, Quicksilver, Stanley, Town
and Country, Billabong, Hands Off, Body Glove, Rato de Praia, Surf More, HD (Hawaiian Dreams), Pakalolo, Company, ou camisões dessas mesmas marcas, exceções para camisetas
de times (de vôlei ou de times de futebol de várzea).
Poderia não ter grana dentro, só ser recheada de papel para fazer volume e colocar no bolso de trás da calça, mas uma carteira emborrachada ou de camurça, com o famoso "crec" (velcro) das marcas Cairê, Fico e OP, eram consideradas. Havia umas carteiras com desenhos de dragão, personagens de desenho e de filme usadas pelos adolescentes, função dificilmente usava essas.

Os bonés também eram um caso a parte, alguns deles bordados na galeria 24 de maio no centro de São Paulo. Tinham um
modo todo peculiar de uso, com a aba quase que no meio na parte superior da
cabeça, o boné ficava com bico para o alto. Mas como a grana era curta, os bonés promocionais eram bastante usados também, mas raramente eram usados em festas, mais num rolê na quebrada. Como os do extinto Banco Nacional, Jhon Player Special, Pirelli, VASP, Brahma.... Só depois na década de 90 que começou a moda dos bonés de times de basquete e futebol americano.

As jaquetas eram muito
usadas principalmente no inverno e garoa de Sampa, por ser um boêmio por
natureza o "função" costumava levar para as noitadas sua jaqueta da
Califórnia Race (mais conhecido como "bombo jaco") ou
"jaco" de couro liso marrom, preto ou jeans, serviam também para
guardar quando necessário um baseado ou papelote de coca, o "três
oitão" ou as pistolas 635 e 765. Naquela época já se usava as jaquetas
college (muitas encomendadas pelas equipes de baile black lá galeria 24 de Maio). Os mais cobiçados agasalhos eram das marcas Adidas, Chimpa
(que o logo era um macaquinho), S.Tachini e Fila (pra vocês verem, a Nike não era tão idolatrada como hoje).

O corte de cabelo mais usado era o escovinha,
que era um corte na máquina um ou dois e faziam com a navalha um risco como se
dividissem o penteado ou o corte "reco", mas esse era menos usado
porque lembrava o corte usado pelos policiais. E os óculos podia ser os estilos caçador ou aviador da Ray Ban e da Bausch & Lomb.
Os funções não eram muito ligados aos jogos
de azar, gostavam mais de bater uma bola na várzea e depois do jogo rolava
aquela roda de samba regada a muita cerveja, bombeirinho, rabo de galo, maria
mole, conhaque e um "cabeça de nego" aceso para fazer a mente.
Os
modos de falar eram as gírias das ruas periféricas, por exemplo naquela época
idos de final dos anos 80 boné era bombeta, calça era beca, ônibus era busão,
trabalho era trampo, polícia era coxinha ou gambé, arma era ferro ou cano, cigarro de maconha era
baseado, bagulho ou fininho, cocaína era farinha, présa era fazer uma presença ou inteirar algo e algumas bem estranhas, por
exemplo para perguntar o nome da pessoa falavam; qual a sua graça? namorar com
alguém era "jogar" com alguém; "Tô jogando com aquela mina
lá" e ter proceder era ser fiel a um principio ou ter uma ideia para
trocar. A ginga era mais uma das peculiaridades do "função" parecia
que era algo que vinha sem que ele a controlasse, quando via já estava andando
com ginga, isso era um prato cheio para a polícia que conhecia esses detalhes e
julgava à revelia. Algumas tatuagens eram verdadeiros testamentos, três pingos
na mão era assaltante (ou 157), uma caveira tinha o significado de matador de
polícia e o famoso "amor só de mãe" quase sempre feito artesanalmente
dentro da cadeia com tinta nanquim e agulha de costura.
Uma parte dos
"função" era do mundo do crime ou ligados a ele, a ROTA e os
"pés de patos" (justiceiros) mataram muitos deles, tem um verso da
música Fórmula Mágica da Paz do Racionais Mc´s que diz "...o que melhorou
da função quem sobrou? sei lá, muito velório rolou de lá pra cá..." . A verdade é que o função era um jovem rebelde, romântico, boêmio, que queria seu pedaço do
bolo na sociedade, curtir, ter coisas boas e viver.
Mas era um desafio conseguir isso
crescendo no meio dos malandros mais velhos, ouvindo e vivendo histórias do
crime, vendo e sentindo na pele a injustiça policial e a desigualdade social. O
espelho que tinham naquelas circunstâncias era a bandidagem e assim é até hoje. Eu ficava só observando, caçava lata e plástico para vender no ferro velho, Depois ia jogar com a bola de capotão no campinho de terra, valendo tubaína e e pão com "mortandela". Mudaram a moda, as
gírias, as músicas, o mundo muda e o "função" como um camaleão malandro, se adapta de outras
formas, desde o bicho grilo, maluco beleza, ladrão, malandro ao vida loka.
Abaixo uma coletânea com músicas dos artistas aqui citados, clique na fita K7 e baixe...