Não tem muito o que falar quando se ouve (e se lê) os
argumentos de Jorge Wagner, jornalista e
idealizador do projeto Jeito Felindie. Trata-se de uma compilação de várias
bandas brasileiras de indie-rock, numa releitura de músicas da Banda Raça
Negra. Inusitado e criativo. Participaram do projeto, Lulina, Hidrocor, Letuce,
Orquestra Super Popular, Radioviernes... entre outros. E dentre as opções de hits da banda, os escolhidos foram por exemplo Cigana, Jeito Felino, É Tarde Demais, Te Quero Comigo e Cheia de Manias.
É evidente que o
pagode dos anos 90 fez parte da infância/adolescência de muitas pessoas e lembranças
afetivas vem a tona com algumas melodias. Mesmo o mais ardoroso
rockeiro/metaleiro ouviu indiretamente os sucessos de grupos como o próprio Raça
Negra, Só Pra Contrariar, Katinguelê,
Malícia, Cravo e Canela, Raça, Art Popular, Os Morenos e por aí vai. Mesmo que fosse
para criticar , menosprezar ou “bullynar” os pagodeiros. E eles (os pagodeiros) estavam em todo lugar,
como uma praga musical (no bom sentido), invadiam os lares por ondas
radiofônicas e televisivas. Eles queriam se divertir e divertir o público
(ok faturar um qualquer também fez parte de alguns mais afoitos). Mas a
música, mesmo sendo simples e kitsch em alguns casos, era pop na essência.
Pense nuns solos e sons de teclados que adentravam sua alma, e não era Kraftwerk, Joy Division
e nem New Order poderia ser a turma do grupo Soweto ou do Molejo na área. A coletânea me fez lembrar também o pagodeversion, onde o publicitário Tulio
Bragança gravou e postou no youtube, versões em inglês de hits do pagode
como Marrom Bombom (Brown Goodgood) e Caçamba (Bring the Caçamba).
A periferia se apropriou disso e muitos daqueles pagodeiros
se tornaram músicos, mudaram de vida e seguem vivendo de música até hoje. Quer
cultura melhor do que a musical para ter preenchido o tempo e a cabeça dos
adolescentes daquela época? Todo o ingrediente do mainstream de bandas pops foi
vívido no movimento do pagode. Bandas consideradas undergrounds que não se “vendiam” em
troca de uma poesia nas letras, grupos ultra pops que para entreter e vender
discos faziam extravagâncias mil (tipo rebolar até o chão, fazer um pagode infantil- vide pimpolho e
amarelinha- usar roupas iguais, figurinos brilhantes/coloridos ou usar como
adereço os óculos na cabeça).
A estrada encontra parâmetros com histórias de bandas de outros estilos,
por exemplo; início conturbado e difícil de qualquer um que quer viver de música
(principalmente no Brasil). Bares vazios, caindo aos pedaços, condições de som
péssimas, em morros, no meio de favelas, em bairros chiques também (porquê
não?), em inauguração de bocadas, festas beneficentes, quermesses, quiosques na
praia, festas em colégios, aniversários , fim de ano de empresas, não
importava, chamavam os pagodeiros eles estavam sempre prontos para tirarem sua onda.
E o ritmo viveu seu apogeu e queda com cenas e fatos para se por de igual para igual a qualquer banda independente de Londres. Empresários tresloucados, oportunistas e charlatões
estavam como lobos à espreita com promessas de festivais e faixas em CDs que às
vezes nunca saiam. Rivalidade entre grupos, até que existia mas era algo velado
e relegado aos bastidores. O que ocorria era mais o olhar meio torto de alguns
sambistas tradicionais, mas a música, o mais importante estava sempre lá de
fundo. Tempos depois li depoimentos de pessoas importantes do samba, como Leci
Brandão, Beth Carvalho e Zeca Pagodinho que disseram não ser contra os grupos
de pagode ou a música que fazem, respeitando e até reconhecendo que indiretamente um pequeno espaço foi
aberto por eles. Não se esqueçam de que a maioria desses grupos de pagode os tinha como
exemplos e ídolos (incluindo Fundo de Quintal como um dos maiores).
Lançado em 2012, Jeito Felindie foi produzido e organizado
pelo jornalista Jorge Wagner e divulgado (abraçado) pelo site Fita Bruta, onde
se pode baixar o trabalho (aqui). Uma justa homenagem a Banda Raça Negra que
indiretamente abriu corações e mentes, embalando desde o mauricinho, o favelado
, os manos, os alternativos etc... E o importante é que trataram as releituras com seriedade, nada de avacalhar ou tripudiar sobre as músicas da Banda. Acho até que a coletânea levanta, mesmo que de forma minimizada, a questão do preconceito que o pagode sofreu durante anos. Para alguns é difícil deixar a vergonha de lado e assumir que foi atingido pelo samba/pagode do Raça Negra, que como disse minha mãe Dona Dina, refrões grudavam que nem chiclete. Seja um
simples pagodeiro, cult ou da “patrulha do bom gosto”. Clique na capa, ouça e
tire suas conclusões.